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Após a industrialização do século XIX e a globalização económica do século XX, o século XXI prepara-se para ser o século da consciência ambiental e da mudança comportamental necessária à sustentabilidade futura.
Enquanto indivíduos e, sobretudo, enquanto consumidores, esperamos que as empresas promovam mudanças sociais e ambientais – e, sobretudo, que sejam ética, social e ambientalmente responsáveis.
Um estudo, realizado pela Cone Communications em 2018, revelou que 87% dos consumidores afirmaram já ter optado por um produto apenas porque a empresa apoiava um problema com o qual se identificava, enquanto que 76% afirmam recusar-se a comprar algo de uma empresa que vai contra os seus princípios ou que apoia uma causa contrária às suas crenças.
Mas esta observação, e posicionamento do consumidor, não são os únicos indicadores que exigem esta mudança empresarial. Para Susan Cooney, gestora de programas de diversidade e inclusão, a estratégia de responsabilidade social de uma empresa é, atualmente, um grande fator de atração na escolha de emprego. A responsabilidade social empresarial já não é, nem pode ser encarada, como apenas um departamento acessório e inconsequente. É sim, e cada vez mais, uma área crítica e um instrumento estratégico de desenvolvimento, que acrescenta valor económico e, consequentemente, prestígio e reconhecimento empresarial. Esta visão, a par da necessidade de diferenciação, são potenciadas com projetos bem desenhados, bem pensados, consequentes e com uma forte componente de inovação.
E o que é inovação?
Inovação, de uma forma simples, pode ser caracterizada como... ideias que funcionam! A inovação parte da identificação de problemas/necessidades percecionados ou antecipados, com um impacto negativo, e para os quais não há resposta – ou essa resposta é ineficaz. Após esse reconhecimento, é fundamental analisar a raiz do problema/necessidade e posteriormente, envolver stakeholders e construir soluções que, idealmente, agregam fluxos e ferramentas pré-existentes ou adaptadas para esse efeito. Assim, e cumulativamente, inovação são ideias que funcionam e que são geradas após a análise de um problema concreto e para as quais são criadas soluções inteligentes (gestão e agregação de recursos materiais e imateriais que acrescentam valor e viabilizam a solução proposta).
Já inovação social é toda e qualquer inovação que tem como foco, ou ponto de partida, um problema ou necessidade social. Foi com essa preocupação que foram inicialmente criados os jardins de infância; lares de idosos; casas de saúde; o ensino à distância... alguns exemplos de sucesso do que foram, na sua génese, inovações que, pela escala e replicabilidade, estão hoje completamente internalizados e são autoevidentes.
A inovação social gera, alavanca e acrescenta valor e, pelo potencial de impacto, ultrapassa o meramente social. É uma dinâmica indissociável do valor e potencial económico que proporciona. Alguns dos grandes exemplos da inovação social e suas mecânicas são mundialmente reconhecidos pelo seu contributo e impacto positivo – como Muhammad Yunus que, com a criação do Grameen Bank, construiu o conceito de microcrédito sendo por essa razão laureado com o Prémio Nobel da Paz.
Também em Portugal temos diversos exemplos de inovação que são construídos com base numa premissa social e que alavanca valor económico. Esse é o grande virtuosismo do designado empreendedorismo social: na persecução das respostas sociais em que está focado, construir um modelo económico rentável e sustentável. É assim que surgem modelos de negócio social como o Fruta Feia ou o Vintage for a Cause – dois projetos de combate ao desperdício. Com o slogan “gente bonita come fruta feia”, o Fruta Feia canaliza para o mercado fruta não normalizada e que, de outra forma, seria desperdiçada, ou não iria para o mercado. O Fruta Feia é ainda responsável por diminuir o impacto ambiental associado ao tratamento e embalamento. No processo, gera emprego e acrescenta valor também pela integração social que gera. Por sua vez, o Vintage for a Cause, tem uma lógica de upcycling – ou reutilização/reciclagem de roupa com a recriação de peças únicas, desenhadas por ou com contributo de criadores portugueses, tendo por matéria prima peças doadas. Pretende minimizar o impacto negativo que a indústria da moda tem no meio ambiente, evitando o desperdício e a utilização de recursos naturais, a par da apologia do comércio justo e socialmente sustentável, com a integração, no processo produtivo, de desempregadas de longa duração.
Em ambos os projetos, um dos resultados, ou externalidades alcançadas, é a consciência do impacto ambiental e social que estas indústrias promovem – a fast fashion é responsável por um desperdício anual de 400 mil milhões de dólares, uma peça de roupa pode demorar até 200 anos a desaparecer num aterro sanitário, roupa que é na sua maioria produzida em unidades fabris onde se explora a mão de obra.
Através de projetos como estes, as empresas podem refletir, investir e apoiar causas de combate ao desperdício, do consumo socialmente responsável e ético, da gestão inteligente dos recursos naturais, a par de dinâmicas de empregabilidade e integração de comunidades desfavorecidas ou em risco.
E as farmácias?
As farmácias sempre tiveram uma relação privilegiada com a comunidade. Primeiro recurso e primeira linha no acesso à saúde, a relação entre farmácia e utente era uma relação de confiança, fidelização, numa interação quase confessional pelo respeito e (re)conhecimento dedicado à intimidade do utente. Hoje, essa relação tem vindo a degradar-se – o utente sente-se “empoderado” com conhecimento que lhe permite abdicar da consulta e aconselhamento profissional e, como consequência, encara a farmácia não como espaço de saúde, mas como mero espaço de aquisição de produtos. Esta “retalhização” progressiva da farmácia tem como consequência a degradação da sua identidade e a subversão dos princípios que estão na base do seu sucesso. A farmácia está a perder terreno porque, seduzida por lógicas de gestão imediatistas, foi abdicando daquilo que é o seu património identitário: valorização da relação farmacêutico/utente, tempo, conhecimento e dedicação à comunidade que serve.
E como resgatar a farmácia desta degradação progressiva da sua missão? Onde se quebra a lógica de valor acrescentado que o conhecimento da farmácia imprime na venda? Em que momento o utente deixa de privilegiar o conselho em benefício da aquisição desorientada e impulsiva?
À pergunta “qual a motivação para trabalhar em farmácia comunitária”; “o contacto com o público”; “a vontade de ajudar”, “o privilégio de sermos o primeiro recurso e a quem as pessoas se dirigem quando têm um problema”; “a satisfação de saber que fazemos ou podemos fazer a diferença”... são argumentos recorrentes que justificam a motivação dos farmacêuticos a dedicaram a sua vida à farmácia comunitária. No entanto... quantas vezes, após integrados na profissão, esse espírito de missão abranda?!
Contrariar essa atitude passiva, manter o foco na identidade histórica da farmácia, inovando e mantendo a relação com a comunidade e stakeholders locais é fundamental – a consciência das suas necessidades, dos problemas identificados e nos quais poderão desempenhar um papel ativo e ser agentes de mudança. É através destas narrativas que a farmácia se pode distinguir e crescer. Demonstrando que ouve os seus utentes, interpreta as suas necessidades, analisa os seus contextos e constrói respostas colaborativas em que o foco são e serão sempre as pessoas!
A responsabilidade social nas farmácias não é, não poderá ser, um mero exercício inconsequente que se esgota nas intenções, mas sim uma estratégia que, bem desenhada, poderá devolver às farmácias o papel que sempre teve: um espaço de saúde que ouve, compreende e serve a sua comunidade. A farmácia tem de recuperar a sua memória e prática, aprender com a nova visão empresarial e com as exigências do consumidor. A farmácia tem de voltar a um caminho que foi dela e no qual já foi pioneira.
Sofia Lage
Gestão de Pessoas | Grupo Health Porto